segunda-feira, 19 de outubro de 2009

You cannot kill what you did not create

Nunca fui rico, mas sempre gostei de luxo. E sempre odiei aquele bordãozinho ordinário "sou pobre, mas sou limpinho". Limpinho é a puta que o pariu. Na verdade, nem isso, porque boceta de pobre cheira a bacalhau, e boceta de rica cheira a sabonete íntimo de pH neutro.

Rico que é rico de verdade pode ser porco, que sempre tem a empregada pobre pra limpar a casa, lavar a roupa, cozinhar o almoço. Não que a empregada seja empregada porque é limpinha, mas sim porque lhe faltaram oportunidades.

E comigo não foi diferente. Oportunidades faltaram a mim também. Não tive oportunidade de estudar em Havard, não tive oportunidade de comer caviar, não tive oportunidade de fazer minha despedida de solteiro, não tive oportunidade limpar a bunda com seda chinesa, não tive a oportunidade de dormir em travesseiro de pena de ganso, não tive a oportunidade de usar saia de chita, não tive a oportunidade de menstruar. Mas tive a oportunidade de gozar dentro da Rita.

Rita era uma mulatinha assanhada. Morava num barraco cheio de móveis das Casas Bahia, que só serviam para encher de bibelôs. As paredes eram repletas de pôsteres das cantoras do rádio. Rita sempre dizia que adorava enfeites e coisas pregadas na parede. Casada, tinha dois pares de filhos que carregava embaixo dos braços fortes para onde quer que fosse. À época em que nos conhecemos, amamentava todos eles: um pretinho de nove meses, uma crioulinha de dois anos, uma outra de três e meio e um marmanjo de sete anos - desconfio até hoje que o profaninho já conhecia a delícia de chupar um bom peito. Aliás, Deus foi injusto com Rita e comigo. Ela deveria ter nascido cadela, para ter três pares de teta: um para saciar todos os filhos e dois pra mim, um para chupar e o outro para apalpar.

Vou me abster de contar os detalhes sórdidos. Eles podem até ser úteis para desperdiçar espermatozóides viris de algum garoto punheteiro de 14 anos, mas não são tão relevantes para a história que lhes conto.

Para mim, meu relacionamento com Rita não era secreto, mas para ela era. Apesar de ela ser pobre, eu não fazia a mínima questão de esconder nada. Não tinha medo daquele brutamontes preto com quem ela era casada. Sempre andei com um três oitão na cintura, e massa muscular nunca me intimidou. Tenta usar sua força contra a minha bala, feladaputa. Rita se cagava sempre que eu falava desse jeito. Ela dizia que eu não sabia do que ele era capaz. Hoje, tenho certeza de que eu sou capaz de muito mais coisa do que ele.

Duvido que, algum dia nessa vida, ele cuspiu na cara do prefeito. Eu cuspi e até saí nos jornais. Duvido que ele tivesse mijado no mendigo da Praça Onze. Eu mijei e saí correndo. Duvido que ele tivesse dado o cu uma vez que fosse. Eu dei para experimentar, mas não gostei.

Não cheguei a trepar muitas vezes com Rita. Mas se não venci aquele jogo de rugby do colégio em 1979, um dos meus espermatozóides me vingou, vencendo a famosa corrida da foda. Rita emprenhou. Quando fiquei sabendo que seria pai, reagi como aquelas socialites embotocadas. Não sorri, porque não estava feliz. Não chorei, porque não estava triste. A gente só sabe se filho é coisa boa ou ruim depois que nasce, cresce e cria ou não caráter e vergonha na cara.

Quando criança, Rubinho era um pretinho bonito, daqueles que fazem propaganda do Exército da Salvação, segurando um ursinho cheio de esparadrapo debaixo do braço. Mas Rubinho cresceu e não criou nem caráter nem vergonha na cara. Era um crioulinho meio metro, cabeça raspada, pés descalços e nariz sujo. Só me trouxe desalento. Se antes eu deitava na cama e dormia, agora eu procurava o sono até cansar. O desgraçado era mau, só se enfiava em encrenca. E eu, como pai, por mais que ausente, me preocupava, afinal, ele era sangue do meu sangue e estava sujeito a sujar meu nome.

Certa vez, Rubinho escaldou o gato da dona Marta em água fervente, pelo simples prazer de matar. Enfiou um estilete na barriga de outro pretinho na primeira série do ensino fundamental, pelo simples prazer de ver o sangue fluir. Afundou a cabeça de outro colega de escola na privada até o coitado perder a consciência, pelo simples prazer de ver o sofrimento alheio.

A essas tantas eu já estava casado com uma mulher rica. Feia, mas rica, de boceta cheirosa. Albertina mais parecia o cão chupando manga virado do avesso. Mas tinha dinheiro e não me fazia trabalhar. Vida de marajá, tudo o que eu sempre quis. Apesar de eu raramente ver Rubinho, e isso não me ser nenhum desprazer, aquele delinquentezinho só não era interno da Febem ou corpo enterrado na vala do Vale das Almas por minha causa. Eu tinha contatos, fazia umas correrias e pedia a proteção dele em troca.

As poucas vezes que nos cruzávamos e olhávamos um na cara do outro, saía faísca. Eu odiava aquele protótipo de bandido e não acreditava que eu fora capaz de fazer uma coisa tão mal feita daquele jeito. Ele tinha todos os requisitos necessários para ser considerado perigoso: inteligente, frio, detalhista, corajoso, ousado, exato, persistente, livre de arrependimentos. Expressões como "truta" e "sangue bom" saíam da boca dele com a mesma naturalidade que um pau fica duro ao ver uma bunda gostosa.

Um dia eu estava bêbado e fui até a casa de Rita. Estava precisando relaxar, dar uma. Não tinha coragem de encarar Albertina nem bêbado. A bicha era tão feia que mais valia eu bater uma com um cano de PVC. Cheguei ao barraco, todos estavam dormindo. Acendi a luz e arranquei Rita da cama. Ela estava deitada ao lado do brutamontes preto. Ele era escuro e grande que nem aquelas merdas dignas de entopir privada. E enquanto eu arrancava a roupa de Rita, ela resistia e ele acordava. O brutamontes começou a me agredir. A princípio, eu não queria largar Rita, mas mesmo bêbado, o meu orgulho falou mais alto. Começamos a rolar no chão, e eu não estava a fim de usar minha pistola (a bélica). Durante uns vinte minutos, nos socamos no melhor estilo ultraviolento. Eu já não enxergava quase nada, tamanha a quantidade de sangue que cobria meus olhos, quando reconheci a silhueta de Rubinho na sala.

O crioulinho pulou no meu pescoço. Enquanto o brutamontes me socava, Rubinho apertava minha jugular. Eu estava dominado, mas ainda tinha chances de revide. No desespero, nossos instintos animais ficam aflorados. Foi então que cravei meus dentes com toda a força que pude no saco do brutamontes. Ele caiu de dor, quase desmaiado. Me livrei do pretinho afundando minhas unhas nas mãos dele. Num plano sequencial, saquei meu três oitão. Rubinho e o brutamontes já haviam se levantado quando descarreguei a arma contra eles. Tive o capricho de dividir igualmente as balas no corpo cada um. E os dois ficaram inanimados, grudados na parede por sangue e bala.

Rita olhava, abismada. Não conseguia nem chorar tamanho o choque. Tentei me justificar.
- O Rubinho era meu filho. Se eu fiz, eu tinha o direito de desfazer.
Ela não reagiu. Na tentativa de consolá-la, eu falei:
- Não é você que gosta de enfeite pregado na parede?
Ela não respondeu. Virei as costas e fui embora.