domingo, 16 de agosto de 2009

Manifesto pessimista

Cansei de toda essa desinformação.
É nas bancas de jornais, é nos bancos de praça, é nas filas de banco.
Eu banco o babaca, porque cansei de ver.
Todo lugar aonde ouso ir há míopes.
Míopes sem lente, sem óculos, sem-vergonha.
Míopes que se orgulham de enxergar embaçado, de ver a besta e achar que a besta é deus.
Há deus? Adeus.
Dá-me um tiro, dá me um gole de amônia, que é pr'eu morrer pianinho.
Dá-me o copo de veneno lá de cima do piano.
Quem bebeu fui eu.
E o azar foi todo teu.

Dá-me razão, que eu ainda vejo.
Vejo o quão desdenhosa é a tua situação, o quão miserável é a tua mão estendida, o quão barato é o teu sorriso.
Sorris a troco de pinga.
Pobres, movem-te!
Avante, sempre avante!
De grão em grão galinha enche o papo, mas de moeda em moeda pobre não enche o bolso.
Enche o saco!
Enche os cofres públicos.
Um público que não é teu, um público que é privado.
Isso, gasta teus centavos de reais em cachaça, que é pra esquecer, que é pra aquecer a garganta, que é pra gente cantar a noite inteira num coro e pregar a insônia nessa cidade.

Comigo, todo mundo:
"Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir
A certidão pra nascer, a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir
Deus lhe pague" **
Em verso, em prosa, em moléstia.
Deus lhe pague em filhos, que hão de madrugar como eu, que hão de mendigar como eles, que hão de incomodar como vós.

Cansei de toda essa impunidade.
Preciso de um intervalo para aguentar o segundo tempo.
Preciso de sangue, que é pra banhar minhas entranhas já esturricadas.
Esturricadas de tanto escárnio fervente e elétrico que corre nas minhas veias, velhas veias, velhas feias.
Vedetes do teatro de revista.
Os dinossauros são todos filhos delas!
O meteoro não caiu no Brasil, ó, terra abençoada.
Que não tem terremotos, que não tem vulcão, mas que deu abrigo pros quarenta ladrões exilados de Ali Babá.

Ó, exército de um homem só, esfacela minha fuça, bebe meu sangue, rasga minha espinha, mete uma vara no meu ânus e força até ela sair pela minha garganta.
Dá-me a dor digna de ser ser humano, que a de ser marionete eu já conheço.
Dá-me o peixe, que não me ensinaram a pescar.
Dá-me lápis e papel, que eu quero mais do que carimbar meu dedão.
Dá-me uma aparência pelo menos harmônica, que eu preciso me vender.
Faço dois por um real, dois por um real!
Dá-me bunda, que eu preciso de mais do que um puto pra viver.

**Trecho de "Deus lhe Pague", de Chico Buarque

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