terça-feira, 6 de agosto de 2013

Ele não ligou - Sobre bebedeiras e telefones celulares

A bebida entra, a verdade sai. Aposto a primeira rodada de cerveja que você já foi vítima do verdadeiro crime hediondo que esse ditado preconiza. Crime esse cuja pena é aturar durante tempo indeterminado os fantasmas da própria consciência – como se suportar a cabeça latejando e aquela saliva com gosto de quase morte no dia seguinte já não fossem punições cruéis o bastante. Mas aquela noite, você decidiu que nada seria o bastante. Antes de sair de casa colocou o vestido mais curto, como se ele não fosse curto o bastante. Calçou o salto mais alto, como se ele não fosse alto o bastante. Passou o batom mais vermelho, como se ele não fosse vermelho o bastante. Borrifou o perfume mais forte, como se ele não fosse forte o bastante. Você foi tudo o que não costumava ser de segunda a sexta em horário comercial, como se ser aquela menina insossa do escritório não fosse o bastante. E não é mesmo – convenhamos.

E saiu de casa disposta a arrasar – corações, quarteirões, pensamentos, Dry Martinis e o que mais estivesse pela frente. E você realmente foi um belo dum furacão, daqueles que deixam qualquer Katrina na sola do chinelo – ou melhor, do salto quinze. Daqueles que a gente só observa de longe. Daqueles que a gente até senta pra ver passar – cantando ou não cantando coisas de amor. Daqueles que a gente espera ir embora pra contabilizar os estragos. E olha, dessa vez, os estragos foram muitos. Graves. Irreparáveis. Cinco corações partidos, cinco pensamentos roubados, nove taças de Martini sorvidas – duas delas quebradas – e uma verdadeira inundação de suor banhando o chão onde todo mundo dançava mecanicamente ao último remix que fizeram daquela música do Bruno Mars.

Ninguém sabia, porque você escondeu muito bem, mas você travava uma batalha secretíssima contra você mesma. Contra aqueles pedaços de você que ainda choravam por ele, que saiu para comprar cigarro há dois meses e desde então não voltou. E você venceria de lavada, viu? Venceria com honras, com pétalas, com chuva de champanhe, com tapete vermelho – se não fosse o seu celular. Ah, o celular. Aquela desgraça digital. Nostalgia de um tempo que não experimentamos, em que as únicas maneiras de marcar um encontro se resumiam ou a ser pontual ou a esperar ansiosamente na frente de um orelhão. Você sacou seu celular do bolso e mandou um “eu te amo” pra lá de ébrio pra ele. Sim, o moço do cigarro. Que provavelmente já estaria perdido em outros braços – não tão carinhosos quanto os seus. Amordaçado em outros lençóis – não tão macios quanto os da sua cama.Acalantado por outras vozes – nem tão bonitas como a sua.

Pelo menos naquela noite, ele não havia respondido. Não adiantou nada evocar o santo milagreiro daquele panfleto que lhe entregaram no farol na semana passada. Não adiantou nada beber outro Martini pra descontrair – afinal, não dizem que as coisas acontecem quando a gente menos pensa nelas? Não adiantou nada a promessa de só olhar o celular de novo depois que já tivesse chegado em casa. Ele não respondeu. Não ligou. Ignorou. Pode ser que nem tenha visto – você tenta se acalmar. Espera mais uma, uma e meia, duas horas. E nada. Então você pega no sono, vencida pelo cansaço de um coração esmigalhado. E como Amy Winehouse em seus dias de pouca glória, você acorda. Os cabelos desgrenhados – mas não pelas mãos faceiras de algum menino. Os olhos borrados – mas não de tanto se esfregar com algum cara. A cabeça virada – mas não de paixão. Então, certa de que Amy sabia das coisas quando cantou que “love is a losing game” (ou “o amor é um jogo de azar”), você admite a derrota.

Pelo menos você falou a verdade – aquele “eu te amo” precisaria sair de dentro de você pra não virar câncer aos 45 anos. A verdade impulsionada pela bebida que entrou. Você poderia ter dito tantas verdades, mas preferiu dizer essa. Poderia ter dito ao menino da fila do bar como os olhos castanhos dele eram bonitos. Poderia ter dito à sua amiga como ela ficou bem com o novo corte de cabelo. Poderia ter dito a um estranho qualquer que Deus, à imagem e semelhança do homem, não existe. Mas preferiu dizer essa verdade. Três palavras e sete letras que já quebraram muitos corações quando não correspondidas. Mas é isso aí. Agora você vai, lava o seu rosto de misericórdia e compra mais uma dúzia de fichas para jogar na roleta do amor. Se alguma delas vai vingar? Não sei. Mas aí é que está a graça. Afinal, como já dizia Oscar Wilde, “the mistery of love is greater than the mistery of death” (ou “o mistério do amor é mais intrigante do que o mistério da morte”). E que aprendamos a conviver com isso.

Originalmente publicado em Casal Sem Vergonha

Um comentário:

  1. Olá Bruna!
    Sou produtora da TV Gazeta.
    Gostaria de te convidar para participar de um quadro sobre relacionamento.
    Por favor, entre em contato por e-mail para que eu possa te explicar melhor.
    lpromero@tvgazeta.com.br
    Obrigada
    Laura Romero

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